Considerações sobre as críticas ao Concílio Vaticano II

Alguns dos nossos caríssimos leitores têm nos questionado acerca de nossa defesa do Vaticano II. Alegam que nós estamos defendendo uma aceitação “burra” do Concílio. Ora, isso não é verdade. Ao demonstrar que através de um Concílio Ecumênico a Igreja exerce de forma solene seu poder sobre toda a Igreja, estamos mostrando que as críticas ao Concílio devem se dar nos justos limites da razão e do bom senso.

Por exemplo, uma mãe que sempre criou e educou seus filhos com todo amor em meio a tantas diversidades, sempre mostrando que é digna de confiança. Certo dia, um de seus filhos acha estranha a forma como esta mãe se expressa ao falar sobre um determinado assunto, ou ainda como se comporta frente a uma situação nova. O que deve fazer este filho? Deve exigir esclarecimentos, confiando em todo testemunho que sua mãe lhe deu ou deve acusá-la de ter perdido a vergonha na cara? O que deveria esperar esta mãe? E se ainda esta mãe demorasse a esclarecer seu filho?

Esta situação hipotética nos traz lições preciosas. Seja numa relação entre pais e filhos, marido e mulher, onde o testemunho do tempo construiu toda uma estrutura de confiança, amor e idoneidade, quebrar esta relação, por conta da desconfiança e da intriga seria como abrir mão de um tesouro precioso. Se tratando da Igreja, instituição divina, fundada por Cristo, assistida por Deus Uno e Trino, a coisa é ainda mais grave.

Se há algo que não compreendemos, ou que achamos inadequado, devemos pedir orientação e esclarecimento aos nossos pastores e em último caso exigir explicações da Santa Sé. Isso é bem diverso que acusar a Igreja de ter promulgado o erro pelo seu Magistério, é bem diferente de dizer que a Igreja oferece uma Missa herética. Movimentando-se de uma coisa para a outra, deixamos de questionar e passamos a acusar, postura que é muito grave. O Católico pode e deve exigir esclarecimento sobre a Fé e a Doutrina, direito adquirido pela Tradição e promulgado no CDC (cân 212), porém sem ferir a unidade, autoridade e a idoneidade da Santa Igreja.

Vão dizer: “temos o dever de apontar os erros e quem erra”. Muito bem, no entanto a Igreja não erra. Não pode errar JAMAIS! Assim, sobre a Igreja não se aponta erros, mas se pede esclarecimento.

3. A Contradição dos “rad-trads”

Todo aquele que assume uma postura anti-Vaticano II acaba por cair em uma contradição que o leva a uma heresia. É dogma que a Igreja é Santa e que pecadores são seus membros, isto é, seus filhos. Se a Igreja é Santa e não pode ensinar o erro, como então ela ensinou o erro no Vaticano II? Vão dizer que isso foi possível porque ela não fez uso de dogmas. Ora, de qualquer forma, se a Igreja promulgou os erros que deveria combater, então Ela pecou. Não há saída.

Os ensinamentos de um Concílio são ensinamentos da Igreja. Não são ensinamentos de um Papa ou dos Bispos. Se a Igreja ainda por cima, criou um novo catecismo, emitiu novos documentos e atualizou sua doutrina social com base no Vaticano II, e neste Concílio houve a promulgação do erro, então a Igreja afundou ainda mais o “pé na jaca”. Como explicam a Igreja Santa ter pecado?

Caem na mesma sinuca em que se meteram os protestantes. Não é de se espantar que agora, tanto “rad-trads” quanto protestantes acusam a Igreja de traição, infidelidade e abandono da Palavra de Deus.

Outra contradição deles é negar o Vaticano II principalmente por não ter declarado dogmas, mas utilizam especulações de teólogos (até os modernistas), jornalistas e agências de notícias como se fossem dogmas declarados.

Julgam o Concílio por sua história, mas não utilizam o mesmo critério para dos Concílios anteriores.

Realmente no mundo do erro, a coerência não é uma virtude muito apreciada.

4. O IBP: tábua de salvação dos “rad-trads”?

O IBP (Instituto Bom Pastor) "é uma sociedade de vida apostólica de direito pontifício instituída conforme as normas do direito canônico (can, 732); seus membros querem exercer seu sacerdócio dentro da tradição doutrinal e litúrgica da Santa Igreja Católica Romana" (1). É formado por padres dissidentes da FSSPX (Fraternidade Sacerdotal São Pio X).

Os “rad-trads” dizem que a Igreja na ereção do IBP acolheu padres que não aceitam a Missa Nova e nem o Vaticano II. Ensinam que se Roma acolheu em plena comunhão padres lefebvristas, logo não é errado ao católico recusar a Missa Nova nem o Concílio. Este tipo de abordagem fica ainda mais convincente pelo fato de membros do IBP possuírem laços de amizade com líderes ou adeptos “rad-trads”.

Um amigo muito querido chegou a indicar-me a leitura das declarações do Superior do IBP, Pe. Philipe Laguérie, onde este reconheceria haver erros no Vaticano II (2) e a falta de legitimidade (não confundir com legalidade) da Missa Nova (3).

Com toda certeza, diante de todo este cenário é muito tentador aderir à cartilha anti-Vaticano II. Ainda mais quando se trabalha muito bem com a psicologia das pessoas, com palavras amáveis, gestos de carinho, demonstração de piedade, enfim um verdadeiro espetáculo de sedução que pretende levar as pessoas a enxergarem somente aquilo que o guru deseja.

Trarei informações que julgo serem de grande relevância, para que as “viseiras-de-burro” possam cair permitindo um maior raio de visão.

4.1 O acolhimento do IBP junto à Santa Sé

Há uma diferença sutil, porém significativa entre tolerância e aceitação. Um erro pode ser tolerado quando o bem a ser conquistado é maior do que se poderia conseguir atacando-o. Claro que este bem desejado inclui o próprio extermínio do erro. Não significa que esta “aceitação temporária”, esta tolerância seja um reconhecimento do erro como se fosse algo correto.

Por exemplo, num relacionamento verdadeiramente ecumênico (não relativista) com um protestante, isto é, visando a sua conversão à Verdade confiada por Cristo à Sua Igreja, posso até tolerar o erro da Sola Scriptura (não combatê-lo num primeiro momento), visando mostrar ao protestante somente pela Escritura incompleta que ele tem, o Esplendor da Verdade, que conseqüentemente o levará a abandonar a Sola Scriptura.

A Igreja ao acolher os padres que abandonaram a FSSPX e que constituem o IBP age da mesma forma. A Igreja cede para conquistar, recua para avançar, se cala para ser ouvida. São sutilezas da diplomacia romana.

Se com a acolhida dos ex-membros da FSSPX a Igreja está reconhecendo os supostos erros do Vaticano II, e dando apoio a quem nega o Concílio, o que justifica o fato desta “porta” não ter sido mais alargada e acolhido toda a FSSPX? O que justifica o fato do Papa Bento XVI dizer através do seu Motu Proprio que “libera” a Missa de S. Pio V que a questão sobre D. Lefebvre ainda não está resolvida? Por que no mesmo Motu Proprio, o Papa reconheceria a ortodoxia da Missa Nova? Por que a Congregação da Doutrina da Fé ratificou e defendeu o “subsistit in” do Vaticano II?

Há informações muito importantes que devem ser consideradas aqui. Os estatutos do IBP são experimentais. Ora, se o quadro é como os “rad-trads” o pintam, por que acolher lefebvristas com estatutos temporários ou experimentais? Não seria mais adequado acolhê-los com estatutos não-experimentais?

A experiência do IBP na Igreja é uma experiência de amor, de reconciliação. Não de licenciar o ataque ao Concílio. Já que nossos desafetos gostam tanto do que veiculam as agências de notícias, proponho a leitura das linhas abaixo:

“O Arcebispo de Bordeaux e Presidente da Conferência Episcopal de França, Cardeal Jean-Pierre Ricard explicou que o Santo Padre ‘tomou a decisão de erigir este novo Instituto’. Deste modo, continua ‘se dá a vontade de propor uma experiência de reconciliação e de comunhão que terá que afirmar e aprofundar-se com os fatos’. Os estatutos do Instituto do Bom Pastor foram aprovados com caráter experimental por um período de cinco anos” (ACI) (grifos meus).

Como era de se esperar, a Santa Sé acolheu os padres do IBP num gesto de esperança de total reconciliação. A Igreja concedeu-lhes todas as condições para que eles possam convencer-se de que o Vaticano II não é um mal em si, mas que o mal está na sua leitura liberal, fruto do espírito de porco modernista.

4.2 O IBP está licenciado a rejeitar o Vaticano II?

Em 11 de setembro de 2006, a ACI veiculou o acolhimento dos padres do IBP junto à Roma, informando o mundo católico sobre a ereção do mesmo. Esta notícia foi comentada no sítio do Prof. Felipe Aquino. Tal comentário rendeu-lhe duros ataques do Prof. Orlando Fedeli (como é de praxe), que o acusou de ter falseado a verdade. Na polêmica foi envolvido o Pe. Rafael Navas Ortis, Superior do IBP na América Latina (4).

Um estudo bem consistente de toda aquela polêmica é digno de um livro. Com efeito, há informações ali que os leitores menos atentos deixam passar com facilidade. Por isso, nos satisfaremos em dizer que o Prof. Felipe Aquino não se enganou de todo, e que todo aquele circo no qual o Pe. Navas acabou envolvido, seja porque não leu o que escreveu o Prof. Felipe Aquino ou porque não entendeu a missão do próprio instituto do qual faz parte, foi muito bem arquitetado para ser utilizado como suposta prova contra o Vaticano II.

Em 5 de outubro de 2006 (isto é, poucos dias após a controvérsia acima referida), o Cardeal Jean-Pierre Ricard, que é o supervisor do IBP junto à Santa Sé através da Comissão Ecclesia Dei, declarou que os padres do IBP devem aceitar “o atual magistério do Papa e dos Bispos”, acrescentou ainda que eles devem deixar “clara sua posição de conformidade com o magistério atual que se expressou no Concílio do Vaticano II, bem como os documentos promulgados por ele”. Insiste o Cardeal que a oferta de amor estendida aos padres do IBP, não deve “reabrir questões sobre o caminho tomado pela Igreja durante os últimos 40 anos” (5) (grifos meus).

Um mês depois desta entrevista (aproximadamente em 06 de Novembro de 2006), Pe. Philipe Laguérie é chamado à Roma para dar explicações sobre suas declarações “dinamitosas” sobre o Concílio do Vaticano II. Fato este que chegou a ser ridicularizado pela FSSPX (6).

Ora, será mesmo que o IBP tem licença para atirar no Vaticano II?

Neste ano de 2007, na oportunidade da visita do Santo Padre ao Brasil, um Bispo amigo nosso e de grande importância entre os fiéis tradicionalistas recebeu a informação do Card. Castrillon Hoyos (presidente da Comissão Ecclesia Dei, e que assinou os estatutos do IBP), de que IBP não está autorizado a rejeitar o Vaticano II, confirmando o que havia dito Card. Ricard, supervisor do IBP.

Claro que há uma diferença entre não poder rejeitar o Concílio e ser obrigado a aceitá-lo. Como disse certa vez um amigo meu: “não se pode esperar de um luterano recém convertido, que o mesmo use imediatamente incenso ou que tenha em casa uma imagem de Nossa Senhora”. Aplicando isso aos padres do IBP, não se pode esperar que estes homens que outrora estavam na FSSPX, de uma hora para a outra, como num passe de mágica, admitam tudo o que a Igreja ensinou e fez depois do Vaticano II. É compreensível que os padres do IBP, tenham muitas reservas quanto ao Concílio. Porém, é significativo que eles não tenham permissão para serem franco-atiradores do Concílio. E é aí que está o detalhe, é aí que está a sutileza de toda questão.

Lembremos que a Igreja com a ereção do IBP abriu um caminho de reconciliação aos dissidentes da FSSPX, cujos frutos ainda se esperam, conforme atestamos nas palavras do Card. Ricard: “se dá a vontade de propor uma experiência de reconciliação e de comunhão que terá que afirmar e aprofundar-se com os fatos”. Completa o purpurado que somente o futuro mostrará se esta experiência foi “uma iniciativa promissora ou uma falsa esperança” (5).

4.3 A oferta de amor da Igreja ao IBP já começou a dar frutos

Já é possível notar uma mudança de postura no próprio IBP. Pe. Laguérie já reconhece o poder do Papa de reformar a Liturgia (3), levando-o a aceitar a legalidade da Missa Nova. Esta tese é fortemente contestada pela FSSPX (7), o que rendeu críticas desta aos ex-correligionários.

Pe. Tenoüarn, membro do IBP e secretário do Pe. Laguérie, já admite não só a legalidade da Missa Nova, mas também sua legitimidade. É o que podemos constatar em sua declaração em Valerus Actuelles (França) em 1 de dezembro de 2006: “[...] apenas do ponto de vista destas diferenças de tom, que não é necessário fazer grande exagero, mas que existem, e a nossa conversa mostra isso, creio que se faz necessário aceitar a diferença de ritos, e também que se possa preferir de forma fundamentada e profunda, não apenas subjetiva ou estética, o rito tradicional. Depois de dizê-lo, bem entendido, se em nome dessa preferência se anatemizam todos os demais, e se declara que o rito novo não é legítimo, não estaremos fazendo nada pela Igreja” (grifos meus).

Claro que esta mudança de postura é enxergada pelos “rad-trads” como traição à causa “tradicionalista”. O que é melhor trair falsos mestres ou trair a Deus?

5. Os verdadeiros tradicionalistas estão em Roma

Desde o término do Concílio quando D. Lefebvre começou a liderar a frente anti-Vaticano II, muitos de seus adeptos acabaram por reconhecer os próprios erros. Dois belíssimos exemplos e bem conhecidos são os padres da Fraternidade Sacerdotal São Pedro (FSSP) e os padres da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (Padres de Campos-RJ).

Eles assim como o IBP retornaram à Igreja cheios de reservas ao Vaticano II. Os passos que o IBP está dando, eles já deram no passado. E o Esplendor da Verdade acabou os convencendo de que os erros não estão no Vaticano II.

Como é belíssimo ver, Pe. Vicent Ribeton, um ex-lefebvrista declarar: “Não creio que celebrar a missa segundo o novo ordo, evidentemente com a observância das rubricas, possa, em si, constituir uma desordem moral objetiva. Dizer o contrário equivaleria a afirmar que a Igreja teria promulgado um rito intrinsecamente mau, o que parece impossível de sustentar sem cair no sedevacantismo. Não estou convencido de que o novo rito exprima muito adequadamente cada uma das realidades que se atualizam no altar, mas isso não significa, por essa razão, que seja heterodoxa. De fato, as condições de validade e de ortodoxia de um rito constituem um mínimo, e a Igreja sempre assumiu ritos de maior ou menor riqueza, até mesmo, perdoem-me a expressão, de certa pobreza” (8) (grifos meus).

6. Conclusão

Pe. Leonel Franca (9) ensinou certa vez que os dois maiores obstáculos à Verdade são o orgulho e a vaidade. Porém, almas sinceras são capazes de resistir bravamente às forças impetuosas destes inimigos poderosos. Foram o orgulho e a vaidade que cegaram Satanás que era eminente Anjo de Luz. Este seduzido por si próprio e imbuído de sua própria ilusão convenceu outros anjos a seguirem-no. Se os dois grandes obstáculos da Verdade causaram tanto mal até mesmo aos anjos, que grandes males não farão a uma pobre alma humana?

De forma análoga, pessoas de mentes de grande inteligência e capacidade, seduzidos por si mesmos e imbuídos de suas próprias ilusões, acabam por seduzir a outros levando-os a pensar que a recepção do IBP pela Igreja é uma aceitação ao ataque ao Vaticano II. Nada mais falso.

O Novo Catecismo da Santa Igreja é atualizado pelo Magistério do Vaticano II. O mesmo se aplica ao Compêndio do Catecismo que é um resumo daquele. A Doutrina Social da Igreja é riquíssima em referências ao Vaticano II, o mesmo seu compêndio. Os últimos Papas ensinaram citando os documentos do Concílio, o Motu Proprio do Papa Bento XVI o ratifica. Vários ex-lefebvristas hoje defendem o Concílio.

O Vaticano II faz parte da Tradição da Igreja. Rezemos para que mais católicos acordem do “encanto da sedução” e percebam que fora do Magistério da Igreja não há Verdade. Rezemos para que o IBP ajude a Santa Sé não só a dar a justa hermenêutica do Concílio, mas também que através deste belíssimo trabalho reconheça sua ortodoxia.

Só podemos desejar ao IBP todas as bênçãos do Pai, do Filho e do Espírito Santo e oferecer todo o nosso amor.

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