As bem-aventuranças evangélicas

Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho
Professor no Seminário de Mariana (MG)

As bem-aventuranças são máximas de vida promulgadas por Jesus Cristo e que retratam, com propriedade, aqueles que possuem a felicidade advinda de uma prática conducente à mesma. São o tocante exórdio, ou seja, o começo do Sermão da Montanha. O relato de Lucas (6,20-26) difere do texto de Mateus (5,1-13). É que ambos registram aspectos verídicos da pregação de Jesus, mas segundo a finalidade que têm em vista e, assim sendo, quer o preâmbulo, quer todo o referido discurso de Cristo foram artificialmente dispostos. O estilo de ambos também é diferente, pois São Lucas aprecia os contrastes e, deste modo, após falar nos felizes, ele acrescenta os malditos, sendo que em Mateus os "ais", ou imprecações, aparecem no capítulo 23, versículo 12 de sua narrativa e não neste proêmio. Seja como for, ambos nos passaram uma doutrina realmente pregada pelo Filho de Deus.


As mensagens transmitidas por Cristo, via São Lucas, aqui analisadas, oferecem, em conseqüência, pábulo valiosíssimo para a existência cristã. O escritor e filósofo pagão Marco Túlio Cícero chamou feliz "aquele que, sem padecer mal algum, reúne o conjunto de todos os bens". Jesus vem então nos ensinar quais são os verdadeiros bens. Em primeiro lugar, a pobreza ou desapego de tudo que se possui. Trata, portanto, do conceito exato que se deve ter das coisas terrenas. Estas precisam estar a serviço do crescimento interior do ser racional. Com efeito, o próprio esforço por melhorar a qualidade de vida é uma virtude, mas só será venturoso aquele que não endeusa o que venha a ter e está sempre disposto a ajudar o próximo dentro de suas possibilidades. É o oposto da ganância e da avareza, não deixando, entretanto, que se resvale para o comodismo e a indolência. Deus então se torna o maior de todos os bens, o único válido tesouro. Tanto isto é verdade que é bem-aventurado o que tem fome, porque será saciado. Isto significa a postura daquele que, embora fazendo todo empenho para ter uma melhor condição humana, se conforma com as privações por que tem que passar e dá uma aplicação transcendental às mesmas. Tal atitude faz então o cristão se repletar de merecimentos para a eternidade. Trata-se também daqueles que passam fome por mortificação e se entregam com discernimento ao jejum penitencial.

São ditosos ainda os que choram não com lágrimas que jorram na face humana pela perda das riquezas, dos parentes ou amigos, mas os que lamentam a perda dos bens espirituais, pranto santo que se opõe aos que riem e se rejubilam com as prosperidades mundanas, com os prazeres terrenos. Lamento sagrado dos pecados próprios e alheios. Queixa benéfica das desordens e revoltas contra a vontade divina. O Todo-Poderoso, um dia, consolará com delícias eternas os que assim procedem. São também afortunados aqueles que ficam fiéis a Jesus quando são odiados e amaldiçoados por causa do Evangelho plenamente vivido, dado que grande será a recompensa deles no céu.

Em nossos dias sobretudo, quem condena o descalabro moral reinante, quem execra o reinado de Satanás que se manifesta nas drogas, na imoralidade, nos crimes mais hediondos, é objeto de chacota porque não está de acordo com o que o mundo oferece. Ai, então, dos ricos, isto é, dos adoradores do deus-dinheiro, daqueles que têm cifrão nos olhos, porque já possuem neste exílio sua falsa consolação. Ai dos que vivem na fartura ignorando os pobres, porque no outro mundo passarão eternamente fome da ventura perene. Ai dos que riem no meio de falsas alegrias, uma vez que prantearão os seus desmandos no fogo que não se extingue. Ai daqueles que confiam nos elogios humanos, pois não agiram em função de Deus, mas de si mesmos, de sua vaidade.

Quanta lição, quantos elementos válidos para a reflexão do discípulo de Jesus! Estes, sim, possuem a felicidade neste mundo e a terão ainda, por todo sempre, na Jerusalém celeste!
Disponibilizado pela CNBB em 9/2/04

Nenhum comentário:

Postar um comentário